Querido Diário,
Hoje é dia 10 de setembro de 2061, e eu estou com 70 anos. Sentada sobre uma cadeira de balanço na varanda da minha casa, comecei a olhar algumas fotografias antigas de quando eu era jovem.
Meus olhos se fartaram de água quando lembrei-me da minha infância.
Sem computador, eu costumava brincar com minhas amigas no meio da rua, jogávamos futebol, vôlei, esconde-esconde. Roubávamos as frutas do vizinho da esquina e elas pareciam ter o melhor sabor do mundo. Minha mãe chamava “Filha, vem pra casa!” quando já era tarde da noite, e era assim, gritado mesmo e não por celular ou afins. Depois quando ganhei meu primeiro computador achei maravilhoso, mas continuava dando mais importância ao convívio pessoal e não virtual. Mais velha, eu ia a casa das minhas amigas para conversar sobre a aula, sobre os meninos, sobre outras meninas.
Eu vivi numa época em que se sujar fazia bem, eu gravava as músicas que tocavam no rádio num objeto chamado fita cassete. Eu fazia bolo de barro, assistia a desenhos na TV.
Hoje, ah, hoje está uma bagunça. Com essa tecnologia, as crianças não brincam mais na rua, mas sabem tudo sobre internet. Não fazem bolo de barro, elas comem essas comidas enlatadas e porcarias o tempo todo. Não se sujam, não dançam na chuva. Estudam desde pequenas para serem o mais inteligente possível e conseguirem um bom emprego fazendo alguma coisa pra mudar o planeta que, a propósito, começou a dar sinais de falência já na minha época, mas o número de pessoas que realmente fazia algo pra mudar a situação não foi suficiente.
Hoje, é mais fácil ver robôs do que pessoas nas empresas. Sentimento é algo que não se vê muito por aqui. Todos foram ficando automáticos, sistêmicos.
Eu vivia numa época em que se casava por amor, não por conveniência. Eu sabia o valor de cada pessoa, de cada gesto. Dava importância pras pequenas coisas. Dançava muito, sorria muito, tomava muito sorvete e comia muito chocolate.
Hoje, nada disso importa mais. Pra falar com alguém você aperta uma tecla, pra fazer tal coisa ativa tal comando.
Se essas pessoas soubessem o que estavam fazendo, não teriam permitido que tanta evolução acontecesse. Ninguém mais assiste à novela junto ou conversa tomando uma cervejinha e vendo futebol, ninguém mais tem aquele afeto que se via estampado no rosto.
Meu filho, preferiu não se casar. Só tinha olhos para a carreira e continua assim.
Não tenho netos para contar essas histórias, Davi é meu único filho e optou sucesso no lugar de família e eu não pude fazer nada.
O que me resta é aproveitar o que falta da minha vida com o meu velho companheiro, que está me servindo o chimarrão e ficar pensando que se eu pudesse voltar no tempo eu iria aproveitar bem mais os dias de sol, de chuva, ia dançar muito mais, beber muita água, conhecer os lugares deslumbrantes que existiam.
Se eu tivesse a chance de voltar, quando eu era jovem, teria dado ainda mais vida a minha vida.
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