O Rei da Vela, peça de Oswald de Andrade, é uma obra representativa da década de 30. A peça é considerada o primeiro texto modernista para teatro. O texto de Oswald de Andrade trata com enfoque marxista a sociedade decadente, com a linguagem e o humor típicos do modernismo.
Escrito a partir de 1933, depois da crise mundial de 1929, da Revolução de 30 e da Revolução Constitucionalista de 32, o texto manifesta a imensa amargura de Oswald, forçado a percorrer infindáveis escritórios de agiotagem para equilibrar-se financeiramente. Esse seu contato forçado com agiotas foi, provavelmente, a causa da caracterização de um agiota como Rei da Vela. O texto supera a experiência pessoal de Oswald: fornece, sem falsas sutilezas, os mecanismos da engrenagem em que se baseia o esquema socioeconômico do país.
Pelo seu caráter pouco convencional, só foi levada a cena trinta anos depois, integrando o movimento tropicalista. Constitui-se num marco para a cultura brasileira, desencadeador do movimento Tropicalista.
A peça conta a história de um agiota inescrupuloso, Abelardo I, o Rei da Vela. Aproveitando-se da crise econômica que flagela o país, Abelardo empresta dinheiro e cobra juros escorchantes. E ai daquele que se atrever a chamá-lo de usurário. Reforma os títulos, até o dia em que cobra tudo e deixa liso o devedor.
Prepotente, Abelardo pisa em quem pode, mas sabe que é apenas "um feitor do capital estrangeiro". Ingleses e norte-americanos comandam o jogo, no qual brasileiro só faz figuração. Heloísa, por exemplo, deve servir ao Americano, personagem que entra em cena no segundo ato da peça.
A história se inicia em um escritório. Burguês enriquecido à custa da privação alheia, Abelardo I é um representante da burguesia ascendente da época. Seu oportunismo, aliado a crise da Bolsa de Valores de Nova York, de 1929, permite-lhe todo tipo de especulação: com o café, com a indústria etc. Sua caracterização como o “Rei da Vela” é extremamente irônica e significativa: ele fabrica e vende velas, pois “as empresas elétricas fecham com a crise. Ninguém mais pode pagar o preço da luz”.
No primeiro ato, Oswald demonstra varas facetas do personagem: surge Abelardo II, empregado de Abelardo I, que pretende superá-lo. Entra um devedor que Abelardo I explora há anos e decide executar. Vários devedores são mostrados gritando através de uma jaula.
Heloísa representa a ruína da classe fazendeira. Seu pai, coronel latifundiário, vai a falência, num retrato em que predomina a perversão e o vício, símbolo de uma classe em decadência. A aliança de Abelardo e Heloísa pode, assim, representar a fusão de duas classes sociais corruptas pelo sistema capitalista.
Até mesmo a escolha dos nomes é irônica: Abelardo e Heloísa são dois famosos amantes da Idade Média: ele, um teólogo francês de século XII, ela, sobrinha de um sacerdote. Pouco tem a ver, portanto, com as personagens oswaldianas. Entre os noivos de Oswald, não há idealismo: Heloísa casa-se por interesse, fato sabido por Abelardo I, que também vê vantagens na aliança. Na verdade, Heloísa é membro de uma família da aristocracia rural falida e Abelardo I, da burguesia em ascensão. O casamento entre ambos é uma metáfora: com ele, Oswald simboliza a união entre essas duas classes sociais.
Surge um intelectual, Pinote, e o autor aproveita para mostrar a relação dos intelectuais e artistas com o poder. Em seguida, Abelardo I prepara-se para a chegada do representante do capital estrangeiro, Mr. Jones. A presença de Mr. Jones presença revela um país endividado: “os ingleses e americanos temem por nós. Estamos ligados ao destino deles. Devemos tudo o que temos e o que não temos. Hipotecamos palmeiras... quedas de águas. Cardeais!”
Com esta última personagem, Oswald completa o triunvirato que rege o país: a aristocracia rural (Heloísa) que se une à burguesia nacional (Abelardo I), para melhor servir ao capital estrangeiro (Mr. Jones).
Oswald utiliza a técnica da concentração de personagens com desvios (em geral sexuais) em uma só família para explicar a decadência da aristocracia rural. Assim, Heloísa de Lesbos possui, como o próprio nome indica, tendências homossexuais. D. Cesarina, sua mãe, mostra-se acessível às investidas amorosas de Abelardo I. Totó Fruta-do-Conde, o irmão homossexual, acaba de roubar o amante da irmã, Joana, sarcasticamente apelidado João dos Divãs.
O coronel Belarmino, pai de Heloísa e chefe da família, suspira por um mundo em decadência, o mundo da aristocracia rural. E Perdigoto, outro irmão da moça, bêbado e jogador, é um fascista que planeja organizar uma "milícia patriótica" para conter os colonos descontentes - idéia que interessa a Abelardo I, desde que ela possa ser utilizada para a manutenção da ordem social de que depende sua riqueza.
O último ato, tortuoso e alegórico, ocorre no escritório de usura. Abelardo I foi roubado por Abelardo II. Perdeu tudo o que tinha e vai suicidar-se. Abelardo I lembra a Heloísa que ela se casará com Abelardo II, o ladrão. Morre o homem, mas o sistema permanece. Antes de morrer, Abelardo I mostra-se uma personagem consciente ao discutir com Abelardo II, garantindo que a burguesia está condenada e que os proletários se unirão para tomar o poder.
Mas que até esse dia os dois, a aristocracia rural e a burguesia nacional, continuarão submetidos ao americano, o capital estrangeiro. Apesar de sua consciência, pede uma vela antes de morrer. Recebe uma vela das mais baratas e, falido, o Rei da Vela será enterrado em uma vala comum. A peça termina aos acordes nupciais do casamento de Abelardo II com Heloísa.
Comentários
Postar um comentário