Quentin Tarantido vem roubando a cena
cinematográfica desde os anos 1990. Atualmente recebendo as glórias de sua mais
nova obra, “Os Oito Odiados”, o diretor nos instiga a tecer uma relação entre
seus filmes. Os oito odiados de Tarantino não podem deixar de serem comparados
aos seus seis cães de aluguel. Seu novo filme não decepciona os fãs dos pontos
característicos do diretor, ao ponto que somos apresentados a todo o elenco,
começam a surgir os grandes diálogos, os tiros inesperados, o sangue caricato,
a brilhante disposição dos elementos em cena, a dinâmica teatral, enfim, toda a
singularidade que fez o diretor emergir no cinema dos anos 1990.
Relembrando sua obra de sucesso, Cães
de Aluguel é um filme de 1992, escrito e dirigido por Quentin Tarantino. Apresenta
uma narrativa não linear, com cortes bruscos, cenas violentas, diálogos
divagados e muitos palavrões. O ritmo das cenas é estático, centrado em planos
fechados, explorando o máximo dos atores e do diálogo. O roteiro é intenso e
esteticamente inovador para o início da década de 1990, quando o cinema
americano enfrentava a escassez de criatividade e novas ideias. O contraste
estava na produção com elementos simples e na fuga do clichê, seus personagens
não são heróis ou vilões claramente declarados, são figuras distorcidas que
seguem seus próprios códigos morais, com diferentes tons de impetuosidade, cada
qual buscando sua satisfação particular. Outro recurso bem explorado pelo
diretor é a narrativa, ágil e fragmentada, lembra filmes como Acossado (1959) de Jean-Luc Godard. A
montagem, que vem a ser outra característica peculiar do diretor, que apresenta
sua trama de modo indireto, fazendo com que o telespectador se familiarize com
os personagens pouco a pouco.
Reservoir Dogs, traduzido ao
português como Cães de Aluguel, faz jus aos seis criminosos profissionais reunidos
por Joe Cabot, uma espécie de chefe do crime que tem a pretensão de roubar uma
valiosa carga de diamantes em uma joalheria. Subentende-se que todos são
criminosos de aluguel, contratados individualmente para um trabalho, talvez por
esse motivo todos trajem ternos perfeitamente iguais no dia do assalto. Por
ordens de Joe, nenhum contratado deve revelar sua verdadeira identidade ao
outro, assim temos Mr.White, Mr.Blonde, Mr.Blue, Mr.Pink, Mr.Brown e Mr.Orange.
A não linearidade nos apresenta já na segunda cena o resultado do assalto
frustrado em que estão envolvidos os personagens. A partir disto o que
interessa não é o roubo em si, que não chega a ser mostrado na história, mas
sim o desdobramento dos fatos a partir do assalto.
Mr.Orange sangrando no banco traseiro
de um carro é a segunda cena da narrativa. Ele e Mr.White seguem para o armazém
que serviria de ponto de encontro entre eles e Joe. O próximo a chegar é
Mr.Pink, anunciando o que será o clímax da história, havia um traidor entre
eles, o roubo frustrado foi uma emboscada policial.
Mr.White se mostra empático a
respeito de Mr.Orange, enquanto Mr.Pink revela ser um homem extremamente
profissional da primeira a última cena. Mr.Brown e Mr.Blue acabam sendo mortos
pela policia. Mr.Blonde é o último dos contratados a chegar ao esconderijo, e
faz isso com muito estilo, de óculos escuros, bebendo um milk-shake e com um policial em seu porta malas. Quando todos estão
reunidos são protagonizadas inúmeras cenas de tensão, atrito e desconfiança
entre eles.
Os diálogos banais ao longo do filme
contam com uma maneira quase irritante de serem explicados com uma quantidade
excessiva de palavras. O que não interfere na grandiosidade de cenas como o
diálogo inicial sobre a música Like A
Virgin da Madonna, que se desdobra para uma crítica de Mr.Pink sobre o
sistema de gorjetas. Ou quando Mr.White e Mr.Pink ilustram seu profissionalismo
quando repassam tudo que havia acontecido no assalto, e afirmam que não gostam
de matar pessoas e ainda discordam das atitudes de Mr.Blonde, alegando ser
impossível trabalhar com um “psicopata” por ser imprevisível e nada
profissional. A partir das banalidades começamos a entender traços da
personalidade de cada um deles.
O filme é recheado de referências à
cultura pop da década de 1990, principalmente nos diálogos, como o inicial
sobre a música da cantora Madonna. O humor sádico e a ótima trilha sonora
escolhida por Tarantino não podem deixar de serem notadas. A rádio “K-Billy’s
Super Sounds of 70’s” desempenhou um papel de destaque no filme, ambientando as
cenas com um ar dos anos 1970 e músicas que vão de Harry Nilsson a Vicki Sue
Robinson. Elas criam um elo entre personagem e trama e também dão um tom cômico
a cenas tensas, ao som de Stuck In The Middle With You, dos Stealers Whell,
acompanhamos a performance de Mr.Blonde ao torturar um policial que havia sido
capturado durante o assalto.
Quentin Tarantino é um diretor que
busca construir uma linguagem visual única em seus filmes. Suas montagens explanam
as situações de modo simples, livre de grandes rodeios ou cenas demasiadamente
massivas. O diretor tem interesse em prender a atenção do começo ao fim de seus
filmes. Ele nos direciona de diálogos banais a cenas brutais de extrema violência.
Este é o contraste que expõe o estilo de Tarantino nos seus primeiros filmes.
Cães de Aluguel conta com um elenco
distinto e bem entrosado, com atores como Tim
Roth, Steve Buscemi e Harvey Keitel,
este último sendo responsável por uma arrecadação de $1,5 milhões para o
desenvolvimento do filme, quando confirmou sua presença como Mr.White. Steve
Buscemi rouba a cena como o excêntrico e profissional Mr.Pink, seus diálogos ao
longo do filme sempre tem um fundo reflexivo acerca de questões banais rotineiras,
como dar gorjeta e ser um profissional na área em que atua. O próprio diretor
fez um pequeno papel em seu filme, ele deu vida a Mr.Brown. Ao todo, foram 34 dias de filmagens que renderam 22
milhões de dólares em bilheteria. É também um filme com um enorme número de
palavrões, somando 269 em 100 minutos de narrativa.
De uma forma geral, Tarantino é capaz
de impregnar seu filme com inúmeras referências, conexões e diálogos superficialmente
reflexivos. Instigando o público a se envolver mais na trama a cada cena. A
falta de maturidade de Tarantino não o impediu de realizar um filme
independente carregado de talento e inteligência. Ele engloba elementos
cinematográficos muito explorados e utilizados por Tarantino em suas produções
posteriores, como Pulp Fiction (1994)
que apresenta a mesma narrativa não linear, com inúmeros diálogos evasivos,
porém com ritmo acelerado e diversos planos. O amadurecimento de Tarantino no
cinema é notório, passando por grandes produções como Kill Bill Vol.I (2003) e mais recentemente Django Unchained (2012) e The Hateful Eight (2015). Seu flerte com
a cultura pop e os grandes diálogos permanece.
Amanda Crissi
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