Desci
do ônibus por volta das dezesseis horas. O sol estava quente e fazia as velhas se
esconderem debaixo dos guarda-chuvas. Eu ouvia Beatles. Passou por mim uma
dessas senhoras com sua cabeça branca fresca na sombra. Desci as escadas do
ônibus e caminhei pela calçada, indo para casa. Atravessei a rua pela faixa de
pedestres – ao menos, nesse caso, se fosse atropelada, a errada não sou eu.
Andei pela calçada quebrada, onde qualquer cadeirante não poderia andar,
mostrando que a acessibilidade não é o forte da prefeitura (ou quem sabe ela
seja necessária apenas no centro, onde a campanha eleitoral mostra).
Quando
virei à direita, na outra esquina, vi uma catadora de lixo. Seu carrinho não
estava nem perto de cheio, e tinha apenas alguns papelões, garrafas e outras
coisas que não consegui identificar. Ela estava só. Protegia a cabeça com um
boné velho, e tinha um cachorro maltrapilho que provavelmente a seguia
esperando alguma comida.
À
minha esquerda, um pintor coloria a parede do supermercadinho na esquina. À
direita, um pet-shop funcionava normalmente. Passei pela mulher e segui rumo a
minha casa. Então, ouvi um grito. Não o grito que uma criança daria, se caísse
e ralasse os joelhos. Nem o grito de um adulto, estressado e frustrado, mas
sim, o grito do cão. O cachorro sujo e machucado que a seguia, magrelo e fraco,
que a acompanhava debaixo do sol escaldante de trinta graus. O cão, infeliz e
sem noção da tristeza que é a sua vida (ou quem saiba até tenha), que seria
feliz se alguém pudesse retribuir sua confiança. Esse cachorro, apanhava.
Virei-me e dei de cara com a mulher, com sua feição miserável e raivosa,
batendo com um pedaço de madeira no cão, gritando e xingando-o. Alguém na
esquina parou para olhar.
Eu
olhei novamente e vi que o cachorro estava parado, deitado onde havia grama, na
sombra, cansado, exausto, sem forças, enquanto que a infeliz queria sair de lá.
Gritava para quem quisesse ouvir. Logo ela cansou, e sentou-se no chão. O
pintor veio e falou algo pra ela. O cão ainda reclamava da dor. Eu baixei os
olhos, e encarei o chão, numa frustração incrível, numa perfeita noção de
covardia, de impotência nesse caso, como alguém que não pode fazer
absolutamente nada além de observar, estupefata e indignada.
O sol continuava quente, e caminhei para casa,
perturbada.
Texto: Marina Pierine
Comentários
Postar um comentário