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Obra Vestibular UNICENTRO: Muitas Vozes -Ferreira Gullar


Escrito em 1999,  Muitas Vozes é um conjunto de 54 poemas independentes com forte traço memorialístico, que foge a qualquer classificação literária. A obra resgata a polifonia do autor ao longo de sua trajetória como poeta, o que explica as muitas vozes do título.

 

Mais do que em outros livros, Gullar evoca imagens cotidianas ao mesmo tempo em que faz questionamentos existenciais e explicita sua visão de mundo. O autor pertence ao Modernismo da chamada Geração de 45, caracterizada pelo experimentalismo linguístico e formal, preocupação social e a valorização do raciocínio e do trabalho artesanal do poeta. Autenticidade, lirismo e referências autobiográficas são marcas fortes do autor neste livro. Os poemas  retratam a morte, vida, infância e sexo.


Temas
Desejo, erotismo (no poema Coito), expressão da morte da esposa (em Thereza), sexo (Definição da moça), a dualidade entre barulho e silêncio (Nasce o poeta e Evocação do silêncio), família (Filhos), figuras políticas (Queda de Allende), referências literárias, como Mallarmé e exílio político (Filho da ilha).
Muitas vozes pode ser lido como a obra de maturidade de um autor que desde muito cedo despontou como uma voz singular na poesia brasileira.

Na obra ouve-se o eco de toda essa experiência acumulada ao longo de quase sete décadas. Da eterna luta corporal com a palavra presente em "Sob a espada" até a política expressa em versos de "Queda de Allende", o novo livro apresenta um Gullar continuamente renovado.

Gullar volta a nos oferecer a melhor poesia do Brasil, num estilo transparente e despido de qualquer pedantismo universitário, fruto da cristalização de suas experiências e linguagens. Na obra, Gullar explora elementos do concretismo, de versos espalhados e sem pontuação. Os poemas giram muito em torno da morte. É que neste espaço de tempo Gullar perdeu a mulher, Thereza, e um dos filhos, Marcos. No livro Muitas Vozes, são feitas referências claras a essas perdas em dois poemas em especial.

No curto poema "Thereza", Gullar expressa a perda da mãe de seus filhos.A morte aparece sempre como reflexão. Ele traça um paralelo entre a vida e a morte.

Muitas vozes poucas vezes consegue manter o nível de radicalidade que é tudo o que se esperaria de mais um trabalho de Ferreira Gullar. Mas há momentos em que ainda vislumbramos o Gullar vertiginoso e veloz.


Na segunda parte do livro, “Ao rés da fala”, o poeta volta-se para temas do dia-a-dia, uma vez que sua poesia está sempre num impasse entre a narrativa e a prosa, perceptível já na seleção de poemas “As revelações espúrias” de A luta corporal. É, certamente, o momento mais fraco de Muitas vozes, uma vez que o poeta não soluciona a mistura entre a linguagem e a o cotidiano, preferindo se referir a parentes (pais, filhos), a figuras políticas (Allende) e literárias (Mallarmé). O melhor poema desta parte é “Lição de um gato siamês”, tendo como tema a morte, com bons versos:



Na última seção de Muitas vozes, “Poemas resgatados”, Gullar prefere se ater ao imaginário referencial de seus poemas de A luta corporal. “O poema na rua” lembra os poemas iniciais de Gullar:

coisa clara
fruta
ata
polpa

como palavra

ou lavoura

ou toalha
que esvoaça

o poema
na mente do poeta
a caminhar
na rua Duvivier.


Outro poema, "Nova concepção da morte", são dísticos formados por alexandrinos escandidos e rimados com talento singular, domínio perfeito da técnica, espontaneidade adquirida, naturalidade conquistada com a prática.

"Nasce o poeta" é outro bom momento, uma poética em que No princípio / era o verso / alheio, e em que o poema não diz / o que a coisa é // mas diz outra coisa / que a coisa quer ser.

"Cantiga para não morrer", um dos belos exemplos do lirismo depurado aliado à solidariedade e empatia para o social, que estão sempre presentes na obra de Gullar.

Em Muitas Vozes ouve-se o eco de toda a experiência acumulada pelo poeta ao longo de quase sete décadas. Da eterna luta corporal com a palavra presente em "Sob a espada" até a política expressa em versos de "Queda de Allende", o livro apresenta um Gullar continuamente renovado.


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