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O Centro de Artes de Guarapuava: cultura e arte na cidade

Muitas pessoas caminham todos os dias pela rua Marechal Floriano Peixoto. Algumas olham para o chão, outras conversam ou simplesmente passam. E passa, também, despercebido, um importante lugar que diariamente serve não apenas como espaço cultural, mas também como forma de fomentar a cultura de Guarapuava: o Centro de Artes e Criatividade Iracema Trinco Ribeiro.
            As janelas de madeira, ora abertas, ora fechadas, às vezes ajudam o som a ir às ruas. A pintura é um pouco desbotada. Os degraus servem para entrar. As pessoas passam, e ignoram a porta aberta. É uma casa, tal qual outras que Guarapuava possui, cuja arquitetura é do século XIX. Elas espalham-se pelo centro como lojas, cafés, farmácias. Esta, entre um estacionamento e um prédio qualquer, destaca-se. O som de Balada de Adeline já se tornou uma marca do lugar – o piano também.
À tarde é possível ouvir a música, e algumas pessoas, curiosas, entram. O chão de madeira, o teto alto, os lustres que iluminam os cômodos espaçosos. Tudo é muito característico. O piano, solitário, é tudo o que o cômodo maior possui – em alguns dias também tem cadeiras, pessoas, vozes -, que é iluminada pela janela maior, que quase sempre está aberta.
            As cadeiras poucas vezes estão vazias. O coral, ministrado por Márcia Rickli, é uma marca da cidade. Com pessoas de todas as idades, as aulas são realizadas nas segundas e sextas-feiras, e são abertas ao público, assim como todo o lugar. O Centro de Artes é um patrimônio de Guarapuava. Andreia Turkot é uma das responsáveis pelo espaço, que desde sua criação busca incentivar e divulgar a produção artística em Guarapuava. “A cidade tem muitos artísticas com obras lindíssimas, sejam artes plásticas, poesias etc. Mas muitos têm medo de expor essas riquezas”, conta Andreia.
            A casa foi construída no ano de 1857, por mão de escravos, que trabalharam com barro e pedra, sobre uma estrutura de pau-a-pique. Foi pintada com cal. Pertenceu a Ana Joaquina dos Santos. Chamada hoje de Solar Ana Joaquina. Sua restauração foi feita mais de um século após sua construção, no ano de 1998, tornando-se, assim, o “Salão de Artes de Guarapuava”. Um ano mais tarde, passou a se chamar “Centro de Artes e Criatividade Iracema Trinco Ribeiro”.

            2016: o centenário de Iracema

            Esse é um nome comum para muitas pessoas. Iracema Trinco Ribeiro nasceu no dia 30 de setembro de 1916, em Curitiba. Ela foi uma artista plástica, quem sabe a mais importante de Guarapuava. Produziu cerca de 4 mil obras, e retratou nelas a história, figuras, ruas e locais especiais da cidade, além de outras regiões paranaenses e buscou retratar sobretudo sua religiosidade. Suas obras estão distribuídas não apenas em Guarapuava, mas em várias cidades do Brasil e em outros países, como os Estados Unidos, Alemanha, Itália, China e Suíça.
            Apesar de trazer seu nome, o Centro de Artes não conta com a obra de Iracema. Andreia conta que as obras precisam de um cuidado maior, justamente por trazerem um valor histórico muito grande para a cidade. “Nós fazemos exposições com as obras dela, sim, mais ou menos a cada quatro anos. Deixá-los expostos sempre faz com que os quadros percam um pouco do encanto”.
O que se tem são dois retratos à óleo, colocados logo no corredor de entrada da casa, pendurados um em cada parede lateral. Outro quadro traz a bibliografia de Iracema. Algumas peças foram doadas, segundo Andreia, e fazem parte do patrimônio da Catedral de Guarapuava. “A maioria dos quadros estão com a família, são quadros importantes, premiados, mas alguns foram doados. A Catedral, por exemplo, tem alguns deles. Mas nós, aqui, justamente por uma questão de segurança, só expomos em situações especiais”.
            Situações estas como o aniversário de cem anos da pintora, em setembro. Ana Cláudia Kaminski, também responsável pelo Centro, diz que a ideia é ter uma programação especial em 2016. “Como é o centenário da Iracema, o que pretendemos é fazer sim uma exposição de suas obras durante todo o mês de setembro”, explica.

            “Marias”: luto, superação e amor

            Perder um filho é uma dor inimaginável. Uma dor que ninguém espera ter. É a inversão de uma ordem, um momento delicado e difícil de superar, onde as mães precisam, sem dúvida, de apoio. E foi buscando ajudar essas mulheres que perderam seus filhos que Mirian Baitel criou o projeto “Marias”. “Quando minha filha Mariana faleceu, com um ano e dois meses, eu procurei grupos de mães que também tinham perdido seus filhos precocemente, mas só encontrava coisas pesadas, que não condiziam com o meu sentimento de amor e saudade.”
Pensando em como reunir essas mães com a mesma dor, Mirian procurou a fotógrafa Dani Leela. “Pensei que um projeto fotográfico seria empoderador para quem participasse e inspirador para as mães que veriam as fotos. Então convidei a Dani para captar essas imagens maravilhosas. Ela mergulhou de cabeça junto comigo.”
As "Marias"
Fonte: Dani Leela, exposição "Marias"

Dani conta que o que move o projeto são sentimentos de superação e leveza, e, acima de tudo, uma homenagem carinhosa para quem já partiu. Através de reuniões com as mães, buscou-se mostrar que a união, o acolhimento e a empatia são fundamentais para esse processo de aceitação. “‘Marias’ são mulheres extraordinárias que possuem um coração generoso e uma compaixão digna de grandes almas, que toparam expor sua própria dor para poderem fazer uma transição para a superação”, explica.
E quem são as Marias? Foram convidadas para o projeto cinco mães: Cíntia, Mariane, Mayara, Tatiana e Karin, que trocando experiências e com um apoio mútuo, buscam estancar essa ferida. “Foi uma experiência bem diferente e intensa. Aprendi muito sobre a força visceral das mulheres, e também sua entrega para fragilidade, sobre superação em situações delicadas. Tudo isso acrescenta muita maturidade e sensibilidade no meu olhar como fotógrafa.”
O nome “Marias” é uma homenagem à Mariana, filha de Mirian, à Maria, filha de Mariane e uma à uma das referências mais fortes de doçura e superação: Maria, mãe de Jesus.
A exposição possui 24 fotos que foram feitas de forma orgânica e que traduzem esses sentimentos de gratidão, entrega e resiliência. “A experiência é sensacional. O Centro de Artes ganhou muito com ela. Ninguém quer expor a dor, apenas a beleza. A forma como essas mães se colocaram diante da dor da perda de um filho foi maravilhosa”, disse Andreia, enquanto caminhava entre as fotos dispostas numa das peças da casa.
E nelas há a essência dessas mulheres, com o sol entre seus cabelos. São todas Marias, de branco, com as mãos de pétalas e o coração materno. Cada uma é uma flor. Dani capta a essência e imortaliza essas mães de anjos que já se foram. Imortaliza o amor que permaneceu. São todas Marias, juntas.

"Fomos convidadas uma a uma, e as reuniões antes das fotos foram um verdadeiro grupo de apoio", comenta Mirian. 

Fonte: Dani Leela, exposição "Marias"

            Exposições em Guarapuava: difundindo e incentivando a cultura local

            O Centro de Artes é hoje um dos únicos espaços abertos à comunidade para exposição de produções artísticas. É um processo simples, basta ter disponibilidade. “Liga pra gente, vamos ver a agenda e vamos trabalhar para conseguir organizar o material, incentivar uma abertura bacana”, explica Andreia. O Centro de Artes e Criatividade Iracema Trinco Ribeiro é um espaço aberto ao público e fica na rua Marechal Floriano Peixoto, número 1399, ao lado da Catedral. A exposição “Marias” segue até o dia 27 de abril. 

Texto: Douglas Kuspiosz

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